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Fica caladinha

De uma criação solitária, carregada de culpa materna, o grande vilão social patriarcal foi me moldando como uma mulher refém de meu gênero, que repetidamente mostrava através de falas como: "senta direito", "fala mais baixo", "não chama palavrão", "isso não é coisa de moça de família", que ser obediente me faria mais aceita e na melhor das hipóteses, amada por qualquer pessoa.


O buraco é bem mais embaixo, mulheres são criadas para agradar. Condicionamento que tem seu desenvolvimento marcado por tiros que vem de todo lado, como bala perdida, que não se sabe de onde vem, mas sabe onde vai parar, sempre sujando uma camisa de sangue. Menstrual? Talvez, se olhar pela perspectiva do trapo sujo de imundice, disse o homem que discuti no meu trabalho quando retratou a menstruação como uma acontecimento imundo, em pleno 2022.

O mesmo sangue que vi todas as mulheres que conheci sentindo vergonha a vida toda. Nunca vou esquecer do dia que minhas tias pediram para eu ir na taberna comprar absorvente, e quando repeti num tom mais alto a palavra "absorvente", elas brigaram comigo. Até porque, desde sempre aprendemos que não devemos incomodar, esta é a regra: não chame muita atenção! Esse é o lugar do homem, o seu? É ser menos! Então fica caladinha. Até porque quando você chama muita atenção, e sofre assédio, a culpa é sua. Mas se a ideia foi sua e ele roubou, é melhor deixar ele levar o crédito, porque o coitado não pode ser frustrado. Muita gente vai discordar, sabe por quê? Porque tudo isso está nas entrelinhas, que se comprimem cada vez mais, até a gente desaparecer.


Depois que me tornei uma mulher adulta, comecei a perceber o poder que essas falas presentes em músicas como "Você também tem o direito de ficar caladinha - Bonde do Tigrão", dentre outros conteúdos que reforçam o nosso condicionamento, se tornaram hábitos tão presentes em mim e em todos, que sem perceber, já fazem parte de nós. Notei que muito do que pensamos não é nosso, mas um acúmulo de tudo que nos foi imposto durante anos e abraçamos como se fosse. Fica a questão, o que realmente é meu? E o que é do outro?


Hoje eu tenho uma dificuldade horrorosa para me posicionar, porque sou assombrada pelo "seja educada". Tanto, que ser assertiva sempre veio acompanhado de culpa. Dona de uma personalidade dita como forte, algumas vezes que me posicionei e levantei o tom de voz em público ou diante de uma autoridade que me faltou com respeito, ficava por horas sentindo um peso enorme.


Mas eu não sou mãe, eu não faço ideia da dificuldade que é criar uma pessoa. Existe um vilão gigantesco chamado patriarcado (reforçado em falas, em filmes, músicas, etc.) que culpa os pais, especificamente a mãe, se a filha não for obediente e certinha. Quando crescemos, isso afeta diretamente as relações, a carreira, a profissão, o viver em sociedade, e o se sentir confortável diante de muita coisa. Já perdi muitas oportunidades por medo de me posicionar. Não só oportunidades de carreira, mas de dizer boas verdades para quem se aproveitou de mim.

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