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Carta ao pai

Pai, eu não te odeio por ter pedido demissão incontáveis vezes, assim que um Juiz decidia que você precisava dar minha pensão.

Pai, eu não te odeio por ter ficado furioso quando descobriu que eu seria uma menina.

Pai, eu não te odeio por você ter falado para mim, aos cinco anos - enquanto estava sentada no seu colo - que eu não sou sua filha. Porque estava furioso por saber que teria que colaborar financeiramente com a minha criação.

Pai, eu não te odeio por você ter me feito tremer de tanto chorar escondida atrás de um sofá com apenas 6 anos, enquanto eu te via dar banho nos filhos de outra mulher.

Pai, eu não te odeio por todas as vezes que fingia que eu não existia quando passava por mim, enquanto eu estava na casa da sua mãe.

Pai, eu não te odeio por nunca ter me ligado nos meus aniversários.

Pai, eu não te odeio por ter feito uma festa de um ano gigantesca para seu filho mais novo, enquanto eu assistia tudo.

Pai, eu não te odeio por nunca ter me dado um abraço.

Pai, eu não te odeio por ter causado danos psicológicos graves em mim (tenho um laudo psiquiátrico, se quiser dá uma olhada).

Pai, eu não te odeio por ter me feito passar uma vida sendo a melhor, a mais estudiosa, mas ter sido interrompida diversas vezes por não ter apoio financeiro (que você tem de sobra) suficiente para continuar minha escola e faculdade.

Pai, eu não te odeio por todas as vezes que esperei por horas na fila do SUS, morrendo de dor por não ter um plano de saúde que o senhor poderia pagar.

Pai, eu não te odeio por ter colaborado com o desenvolvimento da minha ansiedade e depressão, muito menos com meu medo de rejeição e meu complexo de inferioridade, que possuo desde que me entendo por gente.

Pai, eu não te odeio por ter mentido no tribunal que me encontrou de calcinha, numa casa cheia de homem bêbado, quando você foi bem tratado, quando nos visitou se passando por bom moço (enganou direitinho).

Pai, eu não te odeio por todas as vezes que tentei me matar, ter vindo repetidamente na minha cabeça "se mata monstro, se nem teu pai te quis, quem vai sentir tua falta?".

Pai, eu não te odeio por todas as vezes que passava a vergonha de ser a única da sala a não levá-lo no dia dos pais.

Pai, eu não te odeio por não ter estado presente em todas as minhas conquistas, muito menos nas minhas tristezas.

Pai, eu não te odeio por todas as vezes que você não esteve lá para me proteger quando tinha alguém me fazendo mal.

Pai, eu não te odeio por não ter entrado no quarto de hospital que eu estava internada. Só queria que soubesse que eu te vi olhar pela janelinha, além de ter ouvido a discussão. Eu não ia morder, só tinha 6 anos.

Pai, eu não te odeio por ter terminado a faculdade e comprado um carrão enquanto eu trabalhava, minha mãe tinha 3 empregos e eu não conseguia terminar minha faculdade porque ou eu era interrompida pela falta de dinheiro, seguida do lamento do coordenador da faculdade alegando que a Universidade que estaria me perdendo se eu não ficasse, ou eu era obrigada a trancar a faculdade por ter entrado em crise de novo, diante da tristeza de professores que fariam de tudo para não me perder.

Pai, eu não te odeio por não ter estado lá quando eu mais precisei.

Pai, eu não te odeio por ter me abortado em vida.



Eu te odeio por ter interrompido o sonho da minha mãe de fazer uma faculdade (porque ela tinha uma criança para cuidar sozinha).

Eu te odeio por ter sido abusivo, tóxico e violento com ela, depois que descobriu que ela estava grávida.

Eu te odeio por ter a deixado sem a casa que ela construiu e o carro que ela comprou com uma filha no colo.

Eu te odeio por ter feito ela passar fome, andar com um único sapato furado do centro até o São Raimundo, para vender o vale transporte, e trocar o valor por comida para mim.

Eu te odeio por ter feito a minha mãe querer se matar várias vezes, por você ter a maltratado e jogado a responsabilidade da vida de uma criança nas costas de uma única pessoa sem estrutura financeira suficiente para criar um bebê.

Eu te odeio por culpá-la toda vez que alguém questiona porque você não se aproxima de mim.

Eu te odeio por todas as vezes que ela me transportou no colo, num ônibus lotado, para poder me levar para a escola.

Eu te odeio por todas as vezes que ela não conseguia dormir pensando nas inúmeras contas que ela tinha pra pagar por cada gasto que eu gerava.

Eu te odeio por todas as vezes que ela estava doente, se desfazendo em hemorragia, e ainda tinha que cuidar de mim.

Eu te odeio por cada mancha de queimadura de sol na pele da minha mãe, por ter passado anos sendo exposta aos raios solares quando ia me buscar no colégio, porque não tinha dinheiro para um protetor solar.

Eu te odeio por cada doença que minha mãe adquiriu na vida por preocupação.

Eu te odeio por cada dia que minha mãe foi pendurada na porta do ônibus para eu não cair dele.

Eu te odeio por todas as vezes que ela não podia descansar porque tinha que dar conta dos 3 empregos (como diz sua mãe: ah, está pouco, além de tudo isso, ela devia vender bolo menina. Logo após ter mostrado seu carrão em foto).

Eu te odeio por cada calo no corpo dela.

Eu te odeio por todas as vezes que ela teve que continuar com dor pra comprar remédio pra mim.

Eu te odeio por cada minuto que você não pagou o mal que fez.

Por fim (eu acho), eu te odeio por ter me abortado e ter sido diretamente responsável pela dor da minha mãe, que pagou por cada segundo que você abdicou da tua obrigação de pai.





Eu posso nunca ter tido dinheiro para pagar um advogado para pedir meus direitos na justiça. Mas espero que a justiça de Deus seja feita!




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